17 de julho de 2012 AD
É um erro sério, mas comum considerar que
o trabalho é um aspecto da maldição. A justificação para essa crença é
procurada em Gênesis 3.17-19. Contudo, fica claro nessa passagem que é Adão
quem está debaixo da maldição, juntamente com Eva. Porque ambos estão debaixo
da maldição de Deus por desobediência, cada aspecto de sua vida reflete essa
maldição. Dessa forma, as duas grandes alegrias de Eva deveriam ser, como para
todas as mulheres, primeiro, seu deleite na proteção, cuidado e senhorio do seu
marido, e, segundo, os filhos. Mas essas duas tornaram-se uma fonte de tristeza
e perturbação pelo fato do pecado. Adão foi similarmente amaldiçoado; o
trabalho e o domínio era o seu chamado, alegria e privilégio. Agora isso
tornou-se repleto de frustração e desapontamento. Dessa forma, foram o labor ou
chamado do homem e mulher que, por causa do pecado, os frustrou. Esse trabalho
e serviço que deveria ser a alegria e privilégio deles, tornou-se em vez disso
um desapontamento e tristeza para eles.
O trabalho era central para a criação e natureza do homem. “E tomou
o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar “(Gn
2.15). A versão Berkeley traduz essa tarefa como “… o cultivar e cuidar” e
Moffatt como “… o arar e guardar”. Essa tarefa está inescapavelmente vinculada
ao mandato da criação para sujeitar a terra e exercer domínio sobre ela (Gn
1.16, 28). O propósito da criação é estabelecer o homem em seu domínio sob
Deus.
O trabalho do homem tem vários aspectos. Primeiro, lavrar a
terra é um aspecto do chamado do homem; isso significa sujeitar e desenvolver a
terra e trazê-la sob o domínio e serviço do homem. Isso tem implicações amplas.
Inclui todo labor manual, agricultura e ciência. O homem exerce seu domínio
sobre o mundo sob Deus. Assim como o homem não pode tirar a vida à parte da lei
de Deus, visto que Deus somente é o Senhor da vida, assim o homem não pode usar
a terra à parte da lei de Deus. Ele deve ser um despenseiro fiel, não um ladrão
ou assassino.
Segundo, em Gênesis 2.19 Adão tem um chamado para nomear ou chamar os
animais, isto é, entender e classificar a criação ao redor dele. Essa é
claramente uma tarefa científica, pelo fato de requerer um entendimento da
natureza e classificação das coisas. É uma tarefa religiosa também, visto que o
homem deve ver sua relação com a criação animal, seu lugar dado por Deus, e a
diferença entre o homem e os animais. Os animais devem ser vistos em relação ao
homem, e em relação a Deus e os seus propósitos.
Terceiro, o homem recebeu sua ajudadora apenas após ter sido provado em seu
trabalho. Dessa forma, Adão foi considerado pronto para o casamento, não quando
estava fisicamente maduro, mas quando teve uma maturidade testada em termos de
seu trabalho. Esse conceito foi refletido nos requerimentos hebraicos e mais
tarde judeus que o ofício público estava restrito a homens casados que já
tinham sido provados pelo trabalho e então pelo casamento. Isso aparece também
no requerimento do Novo Testamento que os presbíteros devem ser homens casados
(1Tm 3.1-5; 4.3).
Quarto, como temos visto, o trabalho não foi apenas ordenado antes da
queda, mas é o chamado do povo de Deus na criação restaurada (Ap 22.3).
A queda significa que o homem, ao invés de exercer domínio sobre a
terra, retorna à terra em frustração e morte e torna-se ele mesmo pó ou terra
(Gn 3.19). Tendo buscado ser deus por sua rebelião (Gn 3.5), o homem torna-se
novamente pó, retornando à terra que ele deveria ter governado sob Deus.
O trabalho em si mesmo não é necessariamente de qualquer significância;
o trabalho pode algumas vezes ser usado para degradar e destruir o homem ao
invés de promover o seu domínio. Dostoyevsky descreve o efeito devastador do
trabalho sem significado; prisioneiros podem ser desmoralizados e humilhados ao
exigir-se que eles façam algumas tarefas fúteis, tais como carregar rochas de
um amontado até outro, e então carregá-las de volta. O trabalho sem sentido é,
dessa forma, alheio e totalmente diferente ao propósito de labor sob Deus.
O trabalho sem sentido não ganha valor por ser um trabalho bem
pago. Quando alguns dos mais bem remunerados escritores soviéticos fugiram para
a Inglaterra, eles deixaram uma situação de eminência, prestígio e conforto por
uma de relativa obscuridade. A recompensa material não podia compensar uma
posição desonesta e sem significado, uma aquiescência forçada a um regime
odioso. Não há nenhum sentido de domínio em tal trabalho.
Básico para o verdadeiro trabalho é que ele deve promover o chamado
do homem para exercer domínio sob Deus. Um homem deve se sentir mais homem por
causa do seu trabalho; mais seguro em seu status como cabeça de uma família, um
membro da sociedade, e um homem diante de Deus. O trabalho que é estéril em sua
relação com o chamado do homem para exercer domínio reduzirá grandemente o
homem à impotência de várias formas.
A separação do trabalho do domínio é catastrófico para o homem e a
sociedade. Isso leva à doença espiritual do homem e ao declínio de sua cultura.
Pode levar, em algumas culturas, à brutalização do homem. À medida que o homem
é degradado por seu pecado e sua sociedade pecadora num escravo do trabalho,
cujo trabalho é mais cativeiro do que libertação, o homem responde agravando o
seu pecado. A resposta do homem ao homem torna-se uma forma de motivos mútuos
para degradar e desonrar a outra pessoa.
Em outras ocasiões, a separação do trabalho do domínio leva a uma
paralisia moral e religiosa. O homem se torna uma alma doente, de quem todas as
respostas é colorida pelo ódio doente de impotência e seu desejo de destruir.
Dessa forma, Sartre, em sua peça Le Diable et le bon Dieu,
definiu amor como o “ódio do mesmo inimigo”.[1] Tal homem fala muito de amor e
futuro, mas seu amor é ódio, e seu futuro é tentativa de destruir o passado.
A separação de trabalho e domínio é inevitável numa sociedade que
nega o Deus trino. Tendo negado o seu Deus, tal sociedade tem seu trabalho
amaldiçoado e seu desejo de domínio frustrado. Em vez de domínio, ela busca
expressão na destruição; em vez de promover a vida, encontra poder na morte.
O exercício de domínio sob Deus é o desenvolvimento do homem e da
terra por meio do trabalho para fortalecer, prosperar e elevar a vida e serviço
do homem sob Deus. O verdadeiro trabalho e domínio promove a vida e as
potencialidades da vida. Material e espiritualmente, a vida do homem é
melhorada.
Sempre que o homem busca domínio fora de Deus e sob a maldição, seu
trabalho produz morte e destruição. O homem sob maldição trabalha para destruir
outros homens e sociedades, e ele mesmo. Ele trabalha destrutivamente também em
seu relacionamento com a terra. Uma era que fala muito sobre ecologia é a maior
poluidora da terra, e aqueles mais culpados pela poluição falam em alta voz
sobre acabar com a poluição, restringir o crescimento da população e financiar
tais esforços.[2] De acordo com Burden, “na cidade de Nova Iorque, por exemplo,
a despeito da preocupação evidente de John Lindsay e os cartazes nas ruas, a
própria cidade continua a ser o pior ofensor contra suas próprias leis de
poluição”.[3]
Dessa forma, o trabalho sem Deus é sem domínio e para a destruição.
O trabalho sob Deus estabelece o homem em seu domínio ordenado e fornece
energia social construtiva. Não é surpresa que a palavra energia venha da
palavra grega ergon, a qual significa trabalho.
A palavra para domínio no grego é kratus, força,
fortaleza, poder, e vem da raiz kra, aperfeiçoar,
completar. Criador é provavelmente uma palavra relacionada. Criar vem do latim creatus, creare,
criar, e está relacionada ao armênio serem, produzir.[4] O propósito e significado
do domínio é produzir o significado e a potencialidade do homem, sua sociedade,
e da terra, e completar ou aperfeiçoar os propósitos da criação ordenados por
Deus.
Uma sociedade que busca, embora em vão, eliminar o trabalho criando
um mundo livre de trabalho, nem escapa da maldição nem ganha qualquer domínio
por seus esforços. Em vez disso, tal atitude intensificará a desintegração do
homem, pois, embora o trabalho não seja a salvação do homem, o homem cessa de
ser homem se separado do trabalho. Não é surpreendente que os homens geralmente
morram uns poucos anos após a aposentadoria, não importa a idade com qual se
aposentem. Mesmo homens caídos, não importa quanto se irritem com a maldição
que molesta seus esforços e trabalho, ainda se preocupam em realizar sua
masculinidade e domínio através do trabalho. Separar homens do trabalho é
separá-los do significado e da vida. A vida do homem não é definida pela
diversão, mas pelo trabalho e domínio. Quando o homem sente que o seu trabalho
é fútil, aí a desintegração do homem se torna manifesta.
O homem, contudo, não pode ser definido por sua função; dessa
forma, ele não pode ser definido como um animal trabalhador. O trabalho é a
função do homem, mas o próprio homem é uma criatura criada à imagem de Deus e, portanto,
bem mais que sua função. Um aspecto central dessa imagem é o domínio. O
trabalho é o meio pelo qual o homem manifesta, estabelece e desenvolve seu
domínio sob Deus. Uma sociedade livre do trabalho será finalmente uma sociedade
livre do homem.
A antiga associação Puritana e cristã de trabalho com a natureza do
homem ainda sobrevive na América. Um visitante da Inglaterra descreve com certa
irritação “o padrão de cantada inicial” dos homens americanos, quer num bar ou
festa, ao encontrar desconhecidas; após as introduções serem feitas e um
drinque tomado, a conversação real começa com a pergunta: “E o que você
faz?”.[5] Ao responder essa pergunta, a estranha é identificada; o trabalho é
visto como uma chave para conhecer uma pessoa e classificá-la. A pergunta
revela tanto a saúde remanescente da vida americana bem como uma medida de
declínio. Numa era antiga, a pergunta acompanhante teria averiguado no que o
homem acreditava, isto é, por sua fé e trabalho, ele seria identificado.
NOTAS:
[1] – Citado por Thomas Molnar: Sartre: Ideologue of Our Time,
p. 12. New York: Funk & Wagnalls, 1968,
[2] – Veja James Ridgeway: The Politics of Ecology.
New York: E. P. Dutton, 1970.
[3] – Curter Burden, “The Economics of Pollution”, Town and
Country, vol. 125, no. 4578, Janeiro, 1971, p. 19.
[4] – W. E. Vine: An Expository Dictionary of New
Testament Words, p. 332. Westwood, New Jersey: Fleming H. Revell,
1940, 1966.
[5] – Nancy Hawks, “Those Swinging Singles”, em Norman Hill,
editor: Free Sex: A Delusion, p. 69. New York: Popular Library, 1971.
Fonte: Revolt
Against Maturity, Rousas John Rushdoony, p. 17-21.
Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto – 24 de maio de 2009
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