13 de maio de 2011 AD
Um dos erros mais prevalecentes é a tendência de considerar a escravidão
como um aspecto basicamente da história passada, sobrevivendo no século vinte
apenas como uma relíquia. Mas a escravidão, um fato importante em toda a
história, não é um fato consumado. A escravidão é um fato importante da
condição humana, um fator contínuo, e um aspecto inescapável do presente
cenário.
Três formas de escravidão devem ser distinguidas. Mas, antes dessas
formas poderem ser analisadas, é importante definir em primeiro lugar o que é
escravidão. A definição comum é que escravidão é “a propriedade do homem sobre
o homem”. Essa definição, contudo, como John Murray assinalou, é defeituosa;
além do mais, casamento e paternidade, bem como os poderes de um Estado sobre
os seus cidadãos, envolve uma propriedade do homem sobre o homem. Mas a
definição é muito ampla, e evita o aspecto básico da escravidão, o trabalho. De acordo com Murray, “escravidão é a
propriedade do homem sobre o trabalho de outro”. Sob certas condições, tal
propriedade no trabalho de outro é apropriada e legítima. “Acaso vamos dizer
que é impróprio o credor ter propriedade no trabalho do devedor até que a
dívida seja paga?” Além disso,
A propriedade de alguns homens sobre o trabalho de
outros e a propriedade de instituições no trabalho daqueles que estão
associados com elas é algo do qual não podemos nos livrar. O empregador tem
propriedade sobre o trabalho de seus empregados; a presença de contrato não
elimina esse fato. Uma vez que o contrato é celebrado, o trabalhador está
obrigado a realizar o trabalho como contratado. O Estado tem propriedade sobre
o trabalho dos cidadãos. Nesse caso não é por contrato; é uma necessidade
inerente na instituição. Às vezes, um grande número de cidadãos são compelidos,
durante muito tempo, a prestar serviço e tempo integral ao Estado sob condições
muito mais rigorosas, e envolvendo muito mais risco à vida e à propriedade, que
as condições em que os escravos podem ser chamados a servir aos seus senhores.
Não é necessário multiplicar os exemplos. Propriedade sobre o nosso trabalho
por parte de outros é um fato da nossa estrutura social. E não devemos ser
ingênuos a ponto de pensar que podemos abstrair nosso trabalho das nossas
pessoas. Se outro tem propriedade sobre o nosso trabalho há um ponto em que, ou
um aspecto do qual isso deve ser considerado como propriedade sobre nossas
pessoas. E sabemos muito bem que isso não é violação do nosso ser,
personalidade, direito ou privilégio. É uma necessidade da nossa natureza e da
organização social da raça humana. Não há necessidade de pensar que a
propriedade de outro sobre o nosso trabalho ou, nesse ponto, sobre a pessoa
envolvida nessa relação de serviço, seja uma violação do que é intrínseco à
personalidade, e somos capazes de ver a limitação que o Novo Testamento faz,
ditada pelos princípios dos quais a Escritura é o guia.[1]
Em termos dessa definição, examinemos as três formas de escravidão, em
primeiro lugar, na forma de propriedade privada de escravos.
Na forma bíblica, a escravidão era uma forma de serviço obrigatório. O
termo “servo” ou “escravo” era usado para descrever qualquer pessoa que devesse
serviço a outra pessoa, permanente ou temporariamente. Dessa forma, Davi e
Daniel se descreveram como servos de Deus (Sl 27.9; Dn 9.17), e a virgem Maria
descreveu-se como “a serva do Senhor” (Lucas 1.38). A escravidão bíblica era
uma forma de associação e proteção feudal. O roubo de homens para propósitos de
venda era estritamente proibido pela lei, de forma que aquilo que é
popularmente conhecido como escravidão era crime hediondo (Dt 24.7), e Paulo
reafirmou essa condenação e associou os “roubadores de homens” com os
“devassos”, homossexuais, mentirosos, perjuros e hereges (1Tm 1.10). A menos
que o fugitivo fosse um ladrão, um escravo poderia deixar a casa do seu senhor
e poderia permanecer legalmente com qualquer pessoa em cuja casa ele tomasse
refúgio (Dt 23.15, 16). O escravo tinha que ser tratado com respeito e cuidado
(Lv 25.39). O princípio bíblico, “Digno é o obreiro do seu salário” (1Tm 5.18;
Dt 25.4; 1Co 9.9; Lv 19.13; Dt 24.14s; Mt 10.10; Lucas 10.7), não é limitado
somente ao trabalho livre; ele aplica-se a todos, escravos ou livres.
Um hebreu se tornava um escravo em termos estritamente regulados que
exigiam que um companheiro de fé o tratasse como um irmão (Lv 25.39-43, 47-55).
Um hebreu tornava-se um escravo, se, por achar difícil manter-se como um
cidadão independente, vendesse seu trabalho a outro (Lv 25.39). Ele poderia
tornar-se um escravo também por causa de roubo; a lei exigia restituição, de
duas a cinco vezes, e se um ladrão não pudesse cumprir esses requerimentos,
então ele era vendido por causa de seu roubo (Ex 22.3). Ele era então vendido
como servo está que a restituição designada pela lei fosse cumprida. Os filhos
assumiam a condição dos pais, escravo ou livre (Ex 21.14). Os hebreus escravos
eram libertados a cada ano sabático, ou a cada sete anos (Ex 21.2; Dt 15.12), e
o servo tinha que receber certa compensação que o capacitasse a iniciar sua
liberdade com alguma posse (Dt 15.13, 18). A inobservância da lei do prazo
sexenal era uma ofensa severa aos olhos de Deus (Jr 34.13-17). Se o servo
hebreu não tivesse nenhum desejo de ser liberto e considerasse a casa do seu
senhor como seu santuário, sua orelha era furada como sinal dessa sujeição e
ele permanecia um escravo ou servo (Ex 21.6; Dt 15.17). No jubileu, todos os
escravos, hebreus ou não, eram libertados, incluindo aparentemente aqueles com
orelhas furadas (Lv 25.10). Escravos não hebreus poderiam recuperar sua
liberdade a qualquer momento, bem como escravos hebreus, mediante resgate com
dinheiro, ou se seu senhor os ferisse, mesmo que o golpe simplesmente
arrancasse um dente (Ex 21.6; Lv 19.20). O assassinato de qualquer homem,
escravo ou livre, era uma ofensa séria (Lv 24.17, 29; Nm 35.31-32). A lei
bíblica, dessa forma, era tal que torna-se compreensível o motivo pelo qual
Lindsay prefere chamá-la de serviço obrigatório, e não escravidão.[2]
A partir da perspectiva bíblica, portanto, a escravidão não é
intrinsecamente má em si mesma; o fracasso em viver como um homem livre, a
dependência ou incompetência de uma mente escrava é, contudo, considerada como
um caminho inferior. O crente não pode se revoltar contra a sua situação, mas
ele não pode tornar-se um escravo em boa consciência, voluntariamente,
pois qualquer forma de escravidão é uma violação dos
direitos plenos de Cristo sobre ele (1Co 7.22, 23).
A apropriação privada de trabalho escravo na América do Sul tem sido
assunto de extensa distorção. Os negros eram escravos de seus chefes tribais na
África, ou escravos-prisioneiros de outras tribos. A unidade monetária na
África negra era o homem, o escravo. O negro passou de uma escravidão
especialmente severa, que incluía o canibalismo, para uma forma mais branda.
Muito é dito sobre os horrores dos navios escravos, muitos dos quais eram
extremamente ruins, mas é importante lembrar que os escravos eram uma carga
valorosa e assim, uma propriedade normalmente manuseada com consideração. Um
membro da comissão canadense legislativa registrou em 1847 que os imigrantes
irlandeses estavam sendo transportados em navios carregados com o dobro de
passageiros que o navio deveria levar, encolhidos em baixo das plataformas, com
pouquíssima água e comida, e em condições “tão ruins quanto aquela do comércio
escravo”.[3] A condição dos imigrantes irlandeses na chegada foi muito pior do
que a dos escravos: eles não tinham nenhum senhor para alimentá-los ou
vesti-los ou protegê-los. Os irlandeses mudaram de uma semi-escravidão na
Irlanda para liberdade na América apenas uns poucos anos antes dos negros
conseguirem emancipação. Após um século e um quarto, ou menos, os irlandeses
eram um poder de liderança nos Estados Unidos, e os negros permaneceram nas
posições mais baixas. A diferença básica entre os irlandeses e os negros não
foi a cor: foi o caráter. Os negros exigiam maior cuidado, i.e., mais
escravidão e assistência a escravos, e se abrigavam em seus sofrimentos.[4] Os
irlandeses por sua vez olhavam para o presente e o futuro e ajudaram a modelar
a América. Essa é uma diferença significante que não pode ser explicada
completamente por cor ou ambiente. Os chineses também chegaram aos Estados
Unidos sob circunstâncias muito difíceis e as sobrepujaram similarmente.
É importante observar também que os defensores sulistas da escravidão
que precederam a Guerra Civil tiveram parte também na esperança de uma nova
colonização. Em outras palavras, eles defendiam a legitimidade da escravidão
americana enquanto esperavam terminá-la com emancipação e nova colonização.
Muitas dessas sociedades existiam no Sul. O título de um livro do período é
revelador: Bible Defense of Slavery; or the Origin,
History, and Fortunes of the Negro Race [Defesa Bíblica da
Escravidão; História, e Destino da Raça Negra], de Josiah Priest, to which is added a Plan of National Colonization, adequate to the
entire remove of the free Blacks and all that may hereafter become free [à
qual é adicionada um Plano de Colonização Nacional, adequada para a remoção
total dos negros livres e de todos os que venham daqui em diante a se tornarem
livres], de Rev. W. S. Brown, 1853. Alexander H. Stephens, vice-presidente da
Confederação, observou que ele tinha que trabalhar para apoiar os seus
escravos, alguns dos quais eram na verdade seus pensionistas e alvos de suas
obras de caridade.[5]
Um retrato da escravidão em suas piores formas é em geral uma descrição
dos mundos africano e muçulmano. Os abusos nessas áreas são muito reais.[6] Por
outro lado, não poucos senhores são governados por seus escravos mesmo nessas
culturas. Dessa forma, Fortie observou:
Os idosos árabes gentis da África Oriental eram
governados por seus escravos. Eles aceitavam as repreensões e iras das suas
mulheres bantus como visitações de Alá. Essas mulheres eram frequentemente as
mães dos seus filhos. Consideradas meros campos arados que produziam uma
descendência de sangue puro, elas eram seres humanos adoráveis, que possuíam e
despertavam sentimentos de ternura, de modo que aquilo que era uma ficção
expediente, na prática deu lugar às realidades de uma longa vida em comum.[7]
O viajante que passa, ou o estudioso, vê os males óbvios; o homem que
permanece vê os fatores humanos que alteram todos os relacionamentos.
O direito de posse privada sobre o trabalho humano é menos comum e tem
geralmente sido o aspecto menor da escravidão humana. Nos Estados Unidos, o
direito de posse privada foi abolida pela Décima Terceira Emenda, em 1865, que
declarava, na seção I, “Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar
sujeito à sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição por um crime pelo qual o réu tenha sido
devidamente condenado”. Com essa lei, a posse privada de escravos
foi abolida, e com a Décima Sexta Emenda (1913), o Ato de Reserva Federal, e
pelas interpretações da Corte Suprema, a escravidão tornou-se um monopólio do
Estado.[8]
Essa é a segunda forma de escravidão, posse do Estado, que é bem mais prevalecente
hoje e em cada era da história do que a primeira. As “glórias” do mundo antigo
foram os produtos do trabalho escravo do Estado. Hoje, os países comunistas
tornam todos os cidadãos escravos. Visto que escravidão é a propriedade sobre o
trabalho do homem, sempre que essa propriedade sobre o trabalho torna-se a
força determinativa e necessária na vida das pessoas, temos uma escravidão. Em
quase todo o mundo hoje a cidadania está sendo substituída pelas obrigações da
escravidão. Visto que a servidão involuntária é definida pela Constituição como
equivalente à escravidão, todo empregador que é obrigado a manter livros e
recolher impostos para o Governo Federal é dessa forma forçado a realizar
servidão involuntária ou trabalho escravo.
O Estado escravizador fala muito dos privilégios de ser uma “nação
livre”. Os estados africanos formados nas décadas de 1950 e 1960 estavam livres
do colonialismo, mas, embora tenham se tornado tecnicamente nações livres, elas
cessaram de ser um povo livre: seus cidadãos tornaram-se escravos do Estado.
O propósito da Constituição dos Estados Unidos era confirmar a liberdade
do povo amarrando o novo governo federal com as correntes da Constituição. O
governo federal deveria ser acorrentados para que o povo pudesse ser livre.
Hoje, é o povo quem está sendo progressivamente escravizado.
A terceira forma básica de escravidão é a escravidão espiritual,
escravidão ao pecado e a Satanás. Satanás tem uma propriedade sobre o trabalho
do pecador: é produtivo para ele e lhe serve. O fundamento da liberdade é Jesus
Cristo, que declarou, “se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente
sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”
(João 8.31, 32). As raízes da escravidão são espirituais: “Todo aquele que
comete pecado é servo do pecado” (João 8.34). Tais homens são interiormente
escravos, escravos do pecado. Um verdadeiro escravo sempre busca um senhor e a
segurança de um senhor. A mente escrava deseja segurança, uma vida livre de
problemas, uma segurança do berço-à-sepultura ou do ventre-ao-túmulo,[9] e isso
exige um senhor que lhe forneçam tais coisas. Após a Guerra Civil e a
emancipação, muitos negros continuaram a exigir que os seus antigos mestres
continuassem a cuidar deles. Uma família do Sul mudou-se para Nova Jérsei,
sendo seguidas até ali por seus antigos escravos. Até 1915, quando a morte e a
partida dos filhos desfizeram aquela família de Nova Jérsei, os antigos
escravos e seus filhos e netos continuaram a depender daquela família e a retornar
a eles quando doentes ou desempregados. Eles precisavam de um senhor. Hoje,
milhões de negros, junto com milhões de escravos brancos, estão exigindo que o
governo federal torne-se o “senhor de escravo” deles e forneça-lhes segurança e
cuidado. A escravidão é uma economia do bem-estar; direito de posse privada é
uma economia do bem estar mantida privadamente, e isso não é economicamente uma
unidade sã de operação. Sob o direito de posse do Estado, a escravidão, uma
estrutura de segurança social, é uma economia do bem-estar que carece da
necessidade de operação bem-sucedida que o proprietário privado deve manter. O
proprietário privado deve produzir lucro em algum lugar; Alexander H. Stephens
conseguiu o seu lucro na advocacia e sustentou os seus escravos desse modo. Por
sua vez, o Estado detentor de escravos sobrevive por meio de confiscação
progressiva até que a nação seja destruída.
Mentes escravas não são apenas mentes pecadoras, elas são culpadas
também, movidas por culpa, cheias de vergonha e, portanto, com fome de refúgio
e segurança. A política da culpa cultiva a mente escrava para escravizar os
homens, e fazer com que o próprio povo exija um fim para a liberdade. Escravos, verdadeiros escravos, desejam ser resgatados da
liberdade; o seu maior temor é a liberdade. A liberdade impõe um
fardo impossível sobre eles. Carecendo da paz interior de uma boa consciência,
eles buscam em vez disso a paz doentia de aceitação e coexistência com todo
tipo de condição e mal.
O princípio da verdadeira liberdade é Jesus Cristo, que liberta os
homens do poder do pecado e da morte e do fardo de culpa e vergonha, para que
os homens tenham uma boa consciência perante Deus e uma independência em
relação aos homens. “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”
(João 8.36).
A libertação e salvação de Jesus Cristo é do pecado e da morte. A
salvação de César é da liberdade. A privilégio da vida em Cristo é a liberdade;
o privilégio da vida sob César é a segurança. A segurança do cristão está em
Cristo e na liberdade sob a lei de Deus. A segurança do escravo está no Estado
e na escravidão. Mas o sistema de escravos não é seguro, nem permanente, pois
“o servo não fica para sempre em casa”; mas “o Filho fica para sempre”, e
aqueles que são membros dele têm a segurança eterna (João 8.35).
Básico à Escritura é a declaração repetida do direito de posse absoluto
de Deus sobre o mundo, sobre o homem, e sobre o trabalho do homem. “Do Senhor é
a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam” (Sl 24.1). O
crente não pode tornar-se escravo dos homens, pois ele é propriedade de Deus, e
essa é a sua liberdade e vida. Ele não deve se revoltar, se está em cativeiro
no tempo de sua salvação, mas deve buscar a liberdade legitimamente (1Co
7.21-22). Mas ele não pode tornar-se um escravo voluntariamente: “Fostes
comprados por bom preço; não vos façais servos dos homens” (1Co 7.23). O
cristão, tendo sido comprado com o preço do sangue expiatório de Jesus Cristo,
não pode permitir que o pecado, o homem, o Estado ou a Igreja o dominem ou o
possuam. Somente o cristão pode ser um verdadeiro libertariano, e ele está sob
uma obrigação religiosa de sê-lo. A escravidão para ele é um caminho de vida
legítimo para o incrédulo: é a conclusão lógica da incredulidade e da
escravidão ao pecado. Mas a vida do cristão deve refletir aqui e agora, em cada
ato e instituição sua, “a gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8.21,
NVI).
A escravidão permanece, contudo, um caminho de vida legítimo, mas um
caminho de vida mais baixo. A escravidão oferece certas penalidades bem como
certas vantagens. Objetivamente, a penalidade é a entrega da liberdade.
Subjetivamente, o escravo não vê a entrega da liberdade como uma penalidade,
visto que ele deseja escapar da liberdade. Assim como uma criança receosa e
medrosa teme o escuro, assim também a mente escrava teme a liberdade: ela é
cheia dos terrores do desconhecido. Como resultado, a mente escrava apega-se à
escravidão estadista ou do Estado, à assistência social do berço-à-sepultura,
assim como uma criança temerosa apega-se à sua mãe. A vantagem da escravidão é
precisamente isso, a segurança no senhor ou no Estado. O socialismo é dessa
forma um Estado escravagista, criado pelas exigências de um senhor pelos
escravos. O escravo tem a mentalidade do farisaísmo, pois quer viver por vista,
pelas obras, obras manifestas e visíveis que o assegurarão salvação. O escravo
salva a si mesmo criando um Estado escravagista que oferece garantia visível de
salvação do ventre-ao-túmulo contra os perigos da virilidade e liberdade.
A liberdade também oferece penalidades e vantagens. A penalidade central
e essencial da liberdade é a insegurança e os problemas disso. O homem livre
vive num mundo de mercado livre, de tentativa e erro, lucro e prejuízo, sucesso
e fracasso. Ele deve estar preparado para arcar com as consequências do
fracasso bem como com a prosperidade do sucesso. Sua segurança não está nos
sinais visíveis de um Estado ou senhor guardião, mas na lei-ordem do Deus trino
e invisível. Assim, o homem livre deve andar por fé, na confiança que
Provérbios e tudo da Escritura é verdadeiro, que a lei-ordem de Deus vindica
aqueles que andam pela fé, “como vendo o invisível” (Hb 11.27), que, crendo que
Deus existe, “e que é galardoador dos que o buscam” (Hb 11.6), anda em fé,
sabedoria, prudência e responsabilidade. Não é fácil andar por fé, e o mercado
livre não resistirá por muito tempo à parte de um alicerce de fé. Então o
empresário, operário e fazendeiro buscam a intervenção do Estado; eles buscam
os privilégios do socialismo e da escravidão. A penalidade da liberdade é a
necessidade de andar pela fé, mas é também um privilégio. Em última instância,
nossa fé deve estar em Cristo ou em César, e é muito melhor andar por fé em
Cristo do que andar por vista sob César.
A vantagem da liberdade é a própria liberdade, a liberdade vinda da
responsabilidade e da virilidade, e a segurança da liberdade. Os homens
ouestarão em serviço a Deus, ou estarão em serviço aos homens, e o serviço a
Deus é a liberdade do homem e do temor do homem.
É necessário que cada geração seja recordada de sua escolha: escravo ou
livre? Essa é uma escolha moral. Um homem deve escolher entre a segurança da
escravidão e a segurança da liberdade. Escravidão é um estilo de vida: se os
homens preferem-na, então que sejam honestos e vivem em termos de sua escolha.
A liberdade também é um estilo de vida, e os homens que a desejam devem estar
preparados para assumir suas responsabilidades e penalidades, bem como seus
privilégios. Os homens não podem receber assistência social, passar pelo
processo de falência, ou serem achados culpados de atividade criminosa, e mesmo
assim reivindicar legítima e moralmente os privilégios da cidadania e o direito
de participar no governo civil. Tais homens podem ser apreciados por muitos;
podem ser algumas vezes homens amáveis, bem-intencionados, e os tais devem ser
tratados com toda graça e caridade piedosas, mas eles não podem reivindicar
moralmente os privilégios da liberdade. Mesmo um bom escravo é um escravo.
E, para o cristão, o mandamento é expresso de forma muito clara: “Estai,
pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a
colocar-vos debaixo do jugo da servidão” (Gl 5.1). Toda invasão da liberdade,
quer por escravos ou pelo Estado, deve ser resistida, e toda tentação pessoal
em aceitar a segurança da escravidão deve ser vista como aquilo que é, pecado.
NOTAS:
[1] John Murray: Principles of Conduct, Aspects
of Biblical Ethics, pp. 97-99. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans,
1957.
[2] William Lindsay, “Slave, Slavery”, Patrick Fairbain, editor: Fairbairns’ Imperial Standard Bible Encyclopedia, vol
6. pp. 190-193. 1891. Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1957.
[3] Cecil Woodham-Smith: The Great Hunger, Ireland
1845-1849, p. 228. New York: Harper and Row, 1962.
[4] “Next: A ‘Marshall Plan’ for Negroes?” U. S. News & World Report, vol. LX, nº 10, 7 de
março de 1996, p. 46s.
[5] Veja Myrta Lockett Avary, editor: Recollections of Alexander H.
Stephens, His Diary Kept When a Prisoner at Fort Warren, Boston
Harbour, 1865, p. 226s. New York: Doubleday, Page, 1910.
[6] Veja Sean O’Callaghan: The Slave Trade Today,
New York: Crown, 1961; Robin Maugham: The Slaves of Timbuktu, New York: Harper,
1961. Pode ser adicionado, contudo, que o negro sempre foi tratado de forma
muito brutal por outros negros, e isso é tão verdadeiro antes como hoje. Dessa
forma, “na conferência de Casablanca dos chefes de Estado africanos em janeiro
de 1961, um delegado da República do Mali pediu ao representante da Líbia pela
extradição de um chefe tribal de Mali que era acusado de liderar sua tribo
inteira numa ‘peregrinação’, vendendo-a na ‘Terra Santa’, e então retirando-se
para a Líbia a fim de viver uma vida pacífica com o dinheiro que tinha
adquirido”; Youssef El Masry: Daughters of Sin,
p. 127. New York: Macfadden, 1963. Sobre a escravidão na África, veja Gardiner
G. Hubbard, “Africa, Its Past and Future”, The National Geographic
Magazine, vol. I, nº 2, 1889, págs. 99-124, um relatório muito
agradável.
[7] Marius Fortie: Black and Beautiful, A Life in
Safari Land, p. 72. Indianapolis: Bobbs-Merril, 1938.
[8] Estudos liberais insistem em ver somente a propriedade privada de
escravos como escravidão. A partir dessa perspectiva, o Estado então torna-se o
salvador. Para uma análise liberal, veja David Brion Davis: The Problem of Slavery in Western Culture, Ithaca, New
York: Cornelll University Press, 1966; e Barnett Hollander: Slavery in America, Its Legal History, London: Bowes
& Bowes, 1962. Ambos são estudos competentes mas com uma visão simplista
sobre escravidão.
[9] O autor usa um jogo de palavras aqui: “cradle-to-grave” e
“womb-to-tomb”. [N. do T.]
Fonte: Rousas John Rushdoony, Politics of Guilt and Pity (Vallecito,
California: Ross House Books, 1970), p. 22-31.
Tradução: Felipe
Sabino de Araújo Neto – maio/2011.
ICET - Instituto de Cultura e Educação Teonomista
E-mail: culturateonomista@gmail.com
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