domingo, 1 de março de 2020

O Milênio por Cleómines A. de Figueiredo


Simples nome – Milênio – em torno qual giram as correntes do pensamento escatológico. E exatamente por isso ao tratar deste assunto, o escritor cristão deve ter cuidado de associar sinceridade, verdade e amor. Os extremistas ferem e conduzem ao erro.

Por estar o assunto milenista arraigado no espírito histórico do cristianismo, e isto há mais de um milênio, só de se pensar em expor o assunto, já se é visto, quando não bem informado, no mínimo superficialíssimo.

Entretanto, tratar do assunto escatológico sem uma referência ao pensamento milenista é deixar espinho na plantação do trigo.

A origem do pensamento milenista é judaico, especialista da história doutrinária citam fontes judaicas em que o pensamento milenista é frutuoso.

Os apócrifos ( O livro dos segredos de Enoque; segundo Habacuque ) trazem idéias de um reino milenial aqui na terra.

Não se deve esquecer, entretanto, que o único texto da Bíblia e que fundamentam as teses milenista é Apocalipse 20.1-6.

Alguns, por causa de textos como estes e do pensamento judaico expresso nos apócrifos e escritos rabínicos, afirmam que João se influenciou com o Judaísmo, o que discordamos, pois o pensamento do NT é pensamento cristão na simbologia (letra) judaica. Porque a idéia do milênio tem origem judaizante, é lógico que a Igreja cristã, desde os primórdios, lutou com ela.

Tem se a notícia de que os “Pais” (primeiros representantes do pensamento cristão), apenas Papias e Justino (100 – 150ad) aceitavam a idéia do milênio na terra sendo que Justino se contradizia muito.Ainda se crê que a idéia veio á tona realmente entre o segundo e o terceiro séculos, e interessante é que o Credo Apostólico, que nasceu contemporaneamente, não se refere ao assunto. E ignorar mil anos de uma história gloriosa, de um Reino de Cristo na terra, ou foi descuido exagerado do grande Concílio ou de fato o pensamento não é doutrina cristã.

Os heréticos montanistas aceitavam-na(II séc.)

Caio de Roma, Hipólito, Orígenes (todos do séc.II) militaram contra ela.

Temos em Agostinho (354-439 AD), a primeira estrela da Teologia Paulina,um simpatizante da idéia, mas depois de acurado estudo combateu-a tão ardorosamente que por muitos séculos a Igreja cristã a esqueceu.

Na reforma ela reaparece. E novamente é combatida. Calvino dedica uma página de sua Institutas para combatê-la, e a chama de idéia “pueril” em outro lugar.

A confissão de Augsburgo, preparada pelo Teólogo da Reforma, Melancton, considerou-a “uma idéia judaica”.

A confissão de Eduardo VI, base da confissão Anglicana, a rejeitou também,e considera oponentes às Escrituras os que a aceitam.

A Confissão Helvética e Belga, a primeira a chama de sonhos judaicos, e a segunda a ignora.
Mas vale lembrar a Confissão de Westminster; no Catecismo Maior e nas sessões escatológicas, ignoram o assunto.

Agora vejamos de perto a idéia milenista terrenal.

Os devotos deste pensamento cometem o mesmo erro dos Judeus que na época de Jesus materializaram o ensino espiritual das Escrituras. Em vez de olhar para o Messias como Redentor do Pecador, se apegaram ao Reino no Mundo; e porque o Reino de Jesus “não era deste mundo”, condenaram-no.

Assegura o Prof. Harold Schaly, do Seminário Batista do Norte, grande pesquisador, que o pensamento milenista surgiu da idéia que Jesus veio ao mundo para estabelecer mesmo um reino com o povo Judeu ( O termo Reino de Deus é assim por eles entendido ). E Jesus e João Batista proclamaram a chegada deste Reino. Mas a tentativa do estabelecimento do tal Reino fracassou, pois os Judeus rejeitaram Jesus. Em vista disso, duas atitudes (Novas?) Cristo teve que tomar:

1 – Transferir este Reino para o Futuro (Milênio).

2- Fundar a Igreja, que nada tem a ver, e é um simples parêntese entre a primeira e a segunda vindas.

Alguns dicotomizam a Bíblia, dizendo que as bem-aventuranças, Apocalipse de 4-19, e outros textos, não são para a Igreja.

Para o estabelecimento deste Reino, dividido a segunda vinda em duas etapas:

1 – Para a Igreja: Arrebatamento;

2 – Para estabelecer o Reino com a Igreja, para os Judeus. Entre a primeira e a segundas etapas vem com a grande Tribulação(= 7 anos), e com este arranjo surgem muitas ressurreições e juízos de igual modo.(Alguns chegam a 5 ressurreições e 5 juízos!)

Este reinado de Cristo na terra, o Milênio fracassado na primeira tentativa (!), será realizado na terra, como outro reino qualquer, havendo pessoas revoltadas, guerras, conflitos e o “Rei” Jesus, com sede em Jerusalém atendendo telefone(?) , tendo audiências marcadas como Presidente(?) e guerreando com armas, bombas, fuzis(?), mantendo a “ordem” com os santos(?), mantendo a soberania do estado de Israel(?).

No fim deste milênio, os revoltosos irão crescer em número com a areia do mar. Afinal, o reinado de paz milenal, com o Rei no trono material, que Jesus, não conseguirá agradar aos Súditos milenistas que se revoltarão para a grande batalha, com cavalaria(?), e Cristo vencerá esta luta derramando muito sangue...

Neste Reino a Igreja estará presente como “corpo estranho”. Viverão juntos os crentes ressuscitados, os não-ressuscitados e os ímpios rebeldes,e Cristo e os santos a governar (?) essa massa ímpia. Como pode ser isto quando a Bíblia garante que vão descansar, entrar no gozo eterno e na glória perenal, onde estarão livres de toda lágrima e desencanto? Agora, segundo esta estranha idéia, aqui no milênio, terão algumas dores de cabeça enquanto governam os ímpios...vivendo aqui ao lado da imperfeição e morte natural...

Com o esquema pronto, pegam o texto de Apocalipse 20.1-6, e nele se fundamentam, fazendo-o dizer em seu favor.

Uma exegese do texto bíblico, bem feita considerando o contexto revelacional, escritural e histórico do Apocalipse , revelará o engano.

É um texto, como aliás, todo o Apocalipse e toda literatura apocalíptica, cheio de simbolismo.

Não se pode interpretar um texto sem observar o propósito para qual foi escrito. Por isso é necessário conhecer o escopo do livro. Querer achar significado para cada símbolo, cada ato, apegando-se muito à simbologia, pode desviar a atenção para o desnecessário, senão para o inconveniente. (obs: em referência a números pode até gerar superstição...)

Desde os tempos apostólicos a Igreja crê que estamos sob o reinado de Cristo e sua Igreja. As profecias do Velho Testamento não fracassaram quando da primeira vinda de Cristo, pelo contrário, tiveram espiritualmente,o resultado previsto. O descendente de Davi assentou-se no trono, eternamente,conforme nos assegura Pedro, ou seja, que Cristo assentou-se no trono de Davi e afirma que isto aconteceu quando da sua ressurreição ( At 2.30,31). Em 1 Co 15.25; Mt 28.18; Ef. 1.22 contundentemente apresenta Jesus como Senhor reinando. É verdadeiro malabarismo teológico deslocar o senhor Jesus da destra do trono de Deus e fazê-lo assentar num trono temporal, que, inclusive renunciou na sua primeira vinda (Jo 6.15 e 18.36).

O que Apocalipse quer dizer aos crentes é que aqui, deste lado da vida, parece que estamos fracassando, perdendo, sofrendo, sendo perseguidos e mortos. Apesar de tudo, ele reina, e há de vir para julgar os nossos inimigos: o dragão ( = Satanás, a antiga serpente); as bestas(=os sistemas do Anticristo) e Babilônia (= o mundo e suas seduções e fascinações).
A luz do conhecimento da palavra de Deus e da história da doutrina escatológica da igreja, concluímos:

1. Estamos no período milenial

A Igreja reina no Céu (triunfante – Ap. 20.4: almas) e reina na terra (militante, vencedora – somos reis e sacerdotes – Ap. 1.6 e I Pe 2.9).

2. Satanás está preso

Apocalipse 20.3 diz que Satanás será preso por mil anos. Agostinho, em sua exegese, concluiu que Cristo o prendeu na sua 1 vinda – Ele “manietou o valente” Mt 12.26-29 desfez as obras (HB 2.14) e triunfou dele na Cruz (Cl 2.15). Expulsou e Julgou o príncipe deste mundo (Jo 12.31; 16.11). Em Lucas 10.17-18 ele é lançado à terra quando os discípulos pregavam.

A mesma palavra usada em Ap. 20.3 para a prisão de Satanás, Paulo a usa para dizer que a esposa está presa ao marido. É claro que aqui não significa inativo, mas apenas limitado; e graças a Deus, em toda a Bíblia a ação do inimigo, mormente após a 1 vinda, é mostrada como limitada; o próprio livro de Apocalipse mostra isto na expressão e “foi-lhe dado...” – sua prisão, cremos é relacionada com o impedimento de sua ação contra a Igreja (MT 18.16-18); ele não pode impedir o avanço da Igreja e do evangelho.

3. Satanás será solto.

Esta limitação, entretanto, terá fim, de certo modo, isto é, ele será solto (ou,quem sabe já esteja?); e quando for solto, isto será concomitante com a grande tribulação (MT 24.29-30), com a apostasia (II Ts 2.8), e isto por breve tempo (Ap.20.8), na iminência da volta do Senhor, que descerá dos Céus e destruirá o Anticristo e seus aliados.

E então se seguirão o novo e a nova terra, onde, em justiça, habitaremos com o Senhor não por mil anos,para sempre (I Co 15.52).



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